- Você não vem? – a jovem olhava para o menino que a encarava receoso e sem sair do lugar. - Olha, se você não quer vir comigo, não tem problema. Foi você quem pediu pra ir junto.
O menino olhou para trás. Na elevação de uma pequena colina, era possível ver uma bonita casa de fazenda. De lá vinha uma música alta, diferentes tons de conversas e um grito ou outro de truco. Ninguém parecia perceber a ausência dos dois, muito menos a busca do menino por alguma aprovação. Sem um álibi justo para desistir do passeio, resolveu seguir a prima.
Os dois já estavam afastados da casa, de modo que já não era possível enxergá-la por trás do morro. Eles haviam atravessado todo o percurso em silêncio, o que fez com que a fala da criança soasse como um grito repentino:
- Meu pai disse que você não presta.
- Legal esse seu pai.
- Ele também é seu tio.
- Tanto faz o que ele é. Pra mim não faz diferença.
Os dois desviaram uma árvore seca e retomaram o curso. Era como se o caminho estivesse marcado, embora não houvesse sinal algum de trilha. A jovem mantinha os olhos no horizonte, com aparente receio de se deslocar para além do planejado.
- Por que nenhum dos outros primos senta com você? – perguntou esbaforido, apressando os passos para alcançar as pernas que tinham o dobro das suas.
- Porque eu não baixo a bola e todo mundo tem medo disso.
- Como assim baixar a bola?
Ela parou de caminhar, esperou o menino chegar mais perto e colocou a mão esquerda sobre o ombro dele. Olhou seriamente para os olhos dele e disse:
- Não baixar a bola significa não desistir do que a gente é. Ele pareceu amedrontado com a fala dela, ainda que não tivesse compreendido bem o que significava. Se pensar bem, aquilo não parecia ser uma resposta.
A noite começava a surgir no céu e apesar da vegetação rasteira, era muito difícil enxergar o caminho, principalmente porque estavam descendo uma espécie de vale com uma enorme variedade de buracos que alteravam a altura dos olhos.
Às vezes, conseguiam vislumbrar todo o caminho; mas em outros momentos era como se caminhassem para o nada. Toda essa oscilação ampliava as dúvidas do menino, que não compreendia no todo o que representava aquela jornada.
- Bianca, posso te perguntar uma coisa?
- Claro...
- O que aconteceu quando a tia ficou internada? Por que você sumiu? – um salto agudo na sua fala denunciava a adolescência próxima. Era isso ou sua fala escondia um possível choro.
- Porque eu tinha que sumir.
- Foi o seu pai que mandou?
- Aquele homem não tem poder sobre mim. Aliás, nem sobre ele mesmo. O menino parou de repente. Levou um tempo até a jovem perceber que seu companheiro estava estagnado no lugar. Ela virou e encarou com os olhos apertados a penumbra que agora era seu primo.
- Eu senti sua falta – ele gritou, ainda que ela não estivesse tão longe.
– Você foi embora e eu fiquei sozinho. – diminuiu o volume da voz. – ninguém me disse por quê. Pela primeira vez desde muito tempo, ela quis chorar. Engoliu com esforço a saliva emocionada e encarou o primo.
- Você precisa ser forte, Dudu. Quem a gente ama sempre precisa ir embora. Talvez por isso que você esteja comigo agora. Era seu destino estar comigo aqui e me amar até o fim.
Ela se abaixou e fez um gesto para o primo. Ele correu em sua direção e encaixou o corpo no seu abraço, afundando nos cabelos da prima o rosto molhado. A cena durou por minutos até a jovem levantar e segurar a mão do menino. Ela o conduziu até o meio de uma pequena depressão e então parou. Os dois olharam para o alto e apreciaram as estrelas. A noite de lua nova parecia ampliar a chance dos primos de perceber os corpos celestes. Era uma precisão raramente vista na cidade e o menino não conseguia deixar de sorrir. Pequenos na imensidão árida do local, não notaram as duas horas que passaram com a cabeça erguida a procura dos vultos luminosos de cometas.
De repente o menino percebeu o apontou para um ponto de luz que ampliava gradativamente e sem pressa. A cada vinte ou trinta segundos, o sinal luminoso aumentava e se aproximava dos dois.
- Parece que tá vindo pra cá. O que será que pode... – ele olhou para a prima e percebeu que ela estava sorrindo. – Bianca, o que é aquilo?
- Aquilo, Dudu, é minha passagem para casa.
Uma grande espaçonave se aproximou e parou em frente aos dois. Quatro grandes pés metálicos estalaram saindo do corpo da nave, pousando a esfera com suavidade. Uma grande penumbra de poeira se formou por entre primos e óvni, conferindo um ar de mistério para os vários tons de neon que piscavam por todo o objeto.
Uma porta se abriu e uma rampa desceu em direção aos dois. A jovem sorria cada vez mais e, agora, lágrimas caiam sem controle pelo rosto. O menino chegou um pouco mais perto da prima e encostou a cabeça na lateral do seu abdômen. Ele sabia que em breve haveria um adeus.
Da porta da nave eles viram uma menina sair e descer a rampa. Ela aparentava ter perto de oito anos e ostentava longos cabelos arrepiados em um corte moicano. Usava um vestido de algodão acinzentado e que cobria o seu corpo até o joelho. Ela foi em direção aos primos, mantendo seu rosto levantado e com os olhos sempre fixos no rosto da jovem. Quando chegou diante deles, esticou a mão para que a acompanhasse.
- Vem, Bianca.
A jovem largou a mão do primo e se permitiu ser levada para o óvni. As duas seguiram pela rampa até sumirem na luz. Apesar do medo que sentia o menino, de repente, viu-se preenchido de uma felicidade emprestada. Talvez fosse o fato de ver a prima sorrindo pela primeira vez desde o dia anterior ao acidente. Ele viu a nave recolhendo os pés e levantando voo. Ficou olhando para o alto e permaneceu ali até o fim. Só ele pode contemplar os instantes finais em que a luz levou a prima até o infinito das estrelas.
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